Vedas é a Bíblia do Oriente; o Bhagavad Gita é comparável ao Evangelho
Atualizado: 31 de out. de 2021
Vedas – isto é, visão, conhecimento – é a Bíblia do Oriente, da qual faz parte o Mahabharata, que poderíamos considerar como o paralelo ao “Novo Testamento”, cujo coração é o Evangelho, comparável ao Bhagavad Gita.
O que Krishna expõe a Arjuna sobre a letra e o espírito dos Vedas é um paralelo às palavras do apóstolo Paulo:
“A letra mata, o espírito é que dá vida”.
Aos chefes da sinagoga, que só conheciam o texto bíblico, mas não o seu espírito, diz Jesus:
“Guias cegos guiando outros cegos! Vós roubastes a chave do conhecimento (em grego gnosis, em sânscrito vedas) do reino de Deus; vós mesmos não entrais, nem permitis que entrem os que desejariam entrar”.
Enquanto o homem continua apegado aos frutos do seu trabalho – dinheiro, louvores, reconhecimento, gratidão, resultados objetivos de qualquer espécie, até mesmo o céu como prêmio externo –, prossegue ele no caminho infeliz do sansara, do nascer, viver e morrer; mas se se libertar desse apego e trabalhar com perfeição, entusiasmo e alegria, sem pensar nas consequências externas do trabalho, nem mesmo num céu objetivo e póstumo, então entrará na grande liberdade do nirvana, que é um glorioso e eterno viver, sem nascer nem morrer. A reencarnação física é um castigo que o homem inflige a si mesmo por não se ter libertado plenamente da escravidão do “ter” e entrado na liberdade plena do seu “ser”.
BHAGAVAD GITA por Krishna Dvapayana Vyasa (Autor), Huberto Rohden (Tradutor) . Versão de Ebook.
YÔGA DE AÇÃO (Karma Yoga)
No capítulo 3 aborda Krishna o assunto básico do Bhagavad Gita e de toda a filosofia cósmica da Índia: o reto-agir (naiskarman) substituindo o falso-agir (vikarman) e o não-agir (akarman).
Existe no Oriente uma tendência de passividade, nascida da convicção de que todo o agir do homem profano é negativo, mau, pecaminoso, porque o homem profano age em nome de seu ego e por amor a ele, que é uma ilusão.
Krishna, porém, e outros mestres iluminados não advogam essa passividade do não-agir, mas recomendam uma terceira atitude, equidistante do falso-agir do profano e do não-agir do místico; insistem no reto-agir do homem cósmico.
O reto-agir consiste em agir em nome e por amor do Eu central (Atman) do homem, embora o ego periférico (Aham) possa servir como canal e veículo dessas águas vivas que emanam da fonte divina do homem.
Para que seja possível essa terceira atitude do homem, é indispensável que ele conheça intuitivamente o seu Eu central, que em sânscrito se chama Atman, nos livros sacros do cristianismo aparece como alma ou espírito, e na filosofia e psicologia ocidental é denominado Eu (Self, Selbst). No Evangelho do Cristo, esse Eu central do homem aparece muitas vezes como Pai, Luz, Reino de Deus, Tesouro Oculto, Pérola Preciosa, etc.
Quando o homem age em nome desse Eu divino e por amor a ele, embora pelo seu ego humano, não somente não acumula débito ou karma, mas também se liberta dos débitos do passado.
De maneira que, no Bhagavad Gita, Krishna atinge o zênite da auto-realização do homem baseado no mais alto conhecimento do seu ser divino formando perfeito paralelo às palavras do Cristo: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
Disse Deus: “Anda na minha presença e sê perfeito!” (Bíblia). Disse Jesus: “Orai sempre, e nunca deixeis de orar” (Evangelho). “Orar sempre” é uma permanente atitude do nosso Eu verdadeiro, um estado de consciência espiritual que permeia todos os atos externos. “Eu e o Pai somos um.” “O Pai está em mim, e eu estou no Pai.” “Já não sou eu que vivo – o Cristo vive em mim... O meu viver é o Cristo.”
“Deus é pura atividade” (Aristóteles). “Meu Pai age sempre, e eu também ajo” (Jesus, o Cristo). A Realidade – dizem os grandes filósofos – não é um ser estático ( Sein, To be), mas um devir dinâmico ( Werden, To become). Paralelamente a essa intuição espiritual, descobriu a ciência nuclear dos nossos dias que o mundo físico, que aos nossos sentidos parece ser estático e sólido, é, na realidade, um processo dinâmico e fluido; no seu livro sobre o “Campo Unificado”, afirma Einstein que a substância de todas as coisas – desde o hidrogênio até o urânio – é luz cósmica, radiação.
Agir intensamente, sem ser escravo de nenhum dos seus atos – é essa a excelsa sabedoria que permeia todas as páginas do Bhagavad Gita. O homem ocidental, via de regra, é dinamicamente ativo e escravo da sua atividade; o oriental é inclinado a ser estaticamente passivo – nenhum dos dois se guia pela suprema sabedoria. Assim como, em geral, o cristão ocidental não se guia pela sabedoria crística do Evangelho que diz professar, de modo análogo o místico oriental nem sempre orienta a sua vida pela mística dinâmica dos seus grandes mestres. Atividade dinâmica e passividade estática – são dois extremos, do Ocidente e do Oriente. Passividade dinâmica ou atividade mística seria suprema sabedoria e perfeição, que poucos alcançam. Quando surgirá sobre a face da terra esse homem cósmico?...
BHAGAVAD GITA por Krishna Dvapayana Vyasa (Autor), Huberto Rohden (Tradutor) . Versão de Ebook.
“Ninguém pode servir a dois senhores: a Deus e às riquezas”
Fala Arjuna:
– Qual o poder, Mestre, que impele o homem a cometer pecado e, contra a sua vontade, o obriga a isto?
Fala Krishna:
– É o veemente desejo oriundo do amor à posse; é este o maior inimigo do homem, vítima da ignorância, que o leva à perdição
“A cobiça é a raiz de todos os males” (Bíblia).
“Ninguém pode servir a dois senhores: a Deus e às riquezas” (Jesus, o Cristo).
– Até o sábio, ó Arjuna, é tentado pelo fogo do desejo, seu contínuo inimigo, que com disfarces vários o alicia.
– Os sentidos, o intelecto e as emoções são o habitáculo desses desejos objetivos; são eles que anuviam a razão e roubam ao homem que a eles sucumbe a luz do conhecimento.
– Pelo que, nobre herói dos lutadores, controla os teus sentidos e governa o coração! Supera esse mundo objetivo, que instiga ao mal e destrói a sabedoria!
– Fortes são os sentidos (karma); mais forte é a mente (manas); mais forte ainda é a alma (buddhi) – e acima de tudo está a luz divina da Verdade (Atman).
– Uma vez que conheceste o Eu Supremo, supera os sentidos, a mente e as emoções, pelo poder do EU SOU. Derrota os teus inimigos, que, em formas várias, a ti se apresentam.
Nessas últimas palavras aparece nitidamente o sentido simbólico da luta que Arjuna enfrenta: os inimigos que usurparam o trono da alma são os sentidos, a mente e as emoções, que devem ser superados para que o príncipe Espírito (alma) possa ocupar o trono que lhe compete e proclamar o reino de Deus. Arjuna, o irredento, deve ser redento por Krishna, o redentor – e esse Krishna-redentor dormita também nas profundezas da alma de Arjuna, o homem irredento, porém redimível. Essa mesma doutrina do “Cristo interno no homem” vai através de todo o Evangelho, embora as teologias eclesiásticas tenham interpretado dualisticamente esse grandioso monismo místico do Evangelho de Cristo.
BHAGAVAD GITA por Krishna Dvapayana Vyasa (Autor), Huberto Rohden (Tradutor) . Versão de Ebook.
